PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DA POPULAÇÃO TRANSGÊNERO DOS MUNICÍPIOS DE MARIANA E OURO PRETO – MINAS GERAIS: UM PROJETO DE PESQUISA E EXTENSÃO

Para falar sobre os diferentes estados de saúde e nutrição das pessoas do universo transgênero (trans) e suas demandas, faz-se necessário entender como o marcador gênero pode produzir diferentes efeitos que atravessam os corpos desses sujeitos, a partir da ideia de interseccionalidade, que articula diferentes formas de dominação e posições de desigualdade produzidas pelos discursos de gênero, raça, classe, capacidade, religião, idade, localidade, sexualidade, dentre outros (POCAHY, CARVALHO, DILTON-JUNIOR, 2018). Dessa forma, assume-se nesse projeto de pesquisa e extensão o conceito preconizado por Benedetti (2005) de universo trans, referindo-se a uma forma de ampliar o leque de definições possíveis relacionadas às diversas possibilidades de “transformação de gênero” que uma pessoa pode expressar. Esse conceito permite abranger todas as ‘personificações’ de gênero polivalente, modificado ou transformado. Defende-se que firmar categorias de formas simples, objetiva e generalizadora das pessoas do universo trans é arriscado, pois pode ser uma forma arbitrária de compreender as múltiplas diferenças e particularidades vivenciadas por esses sujeitos (BENEDETTI, 2005). Para analisar e entender o contexto social, que reflete nas condições de vida, saúde e nutrição da população trans no Brasil e atuar de forma efetiva, em nível local, faz-se necessário compreender que a marca do gênero qualifica os corpos como corpos humanos (BUTLER, 2017). Entender os corpos das pessoas do universo trans, considerados culturalmente enquanto abjetos, ou seja, ocupantes desse espaço reservado para aqueles que perdem o status de humanidade, torna-se fundamental, visto que aqueles que não desempenham os papéis de gênero, corretamente esperados pela sociedade onde estão inseridos, podem ser alvos de punições, violências, que irão repercutir nas demandas e necessidades de saúde dessa população e encontrar entraves relacionados a disponibilidade e qualidade de serviço ofertado a eles (BUTLER, 2017). Avaliando a temática violência e suas consequências, encontra-se para essa população estimativa de expectativa média de vida no Brasil de apenas 35 anos (REDE TRANS BRASIL, 2019). A Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) apontou que, em 2019, ocorreram 124 assassinatos de pessoas trans, com uma média por ano, de 2008 a 2019, de 118,2 pessoas mortas (BENEVIDES, NOGUEIRA, 2020). O Relatório Mundial da Transgender Europe afirma, por sua vez, que o Brasil desde o ano de 2008 segue à frente no ranking mundial de assassinatos de pessoas trans (TRANSGENDER EUROPE, 2019). A ANTRA traz a estimativa que em média, aos 13 anos de idade, as mulheres trans são expulsas de casa devido à violência familiar (BENEVIDES, NOGUEIRA, 2020). A partir dos dados sobre violência infringida aos corpos trans, das demandas em saúde devido a esse fator, além das demais necessidades que levam qualquer indivíduo ao sistema de saúde, alguns autores analisaram as experiências de acesso de mulheres trans a esses serviços. Monteiro e Brigeiro (2019) mostraram que as participantes do seu estudo relataram que o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) impõe alguns desafios, tais como a patologização da transgeneridade como critério de acesso, predomínio da lógica binária de gênero e tempo de espera. Os desafios do processo transexualizador levam essas mulheres a práticas informais compartilhadas entre seus grupos de convívio como a aplicação de silicone industrial e a autoadministração de hormônios para sua transição. Rocon et al (2016) enfatizaram que o desrespeito ao nome adotado por pessoas do universo trans em serviços de saúde, somados a outros episódios de discriminação providos por seus profissionais, tem sido um fator relevante à não efetivação do acesso à saúde. Zucchi et al (2019) mostraram que enquanto piores condições de vida e de exposição à violência prejudicam o bem-estar psicológico de mulheres trans, a possibilidade de realizar transformações corporais desejadas e o respeito ao nome social interferem positivamente na avaliação que fazem de suas vidas. Especificamente sobre homens trans, Sousa e Iriart (2018) discutem as necessidades e demandas de saúde desses sujeitos, normalmente não realizadas. Atrelada à hormonização – processo de administração de hormônios sexuais, como estrogênio e progesterona em grandes quantidades – que muitas pessoas trans optam por fazer, está a avaliação e a assistência profissional para que esta prática não cause danos à sua saúde. Isso porque a qualidade do hormônio, o ciclo de realização e o modo como ele é aplicado produzem questões e possíveis agravos aos seus estados de saúde. Para homens e mulheres trans, estudo apontam que são mais propensos a relatarem pior auto avaliação de saúde e prevalências maiores de dor, insônia, diabetes, asma, hipertensão arterial, ideação suicida (quando envolvidos em ambientes com violência), além de maior prevalência de consumo de drogas lícitas (59,4%), com destaque para o álcool (70,9%) e tabaco (22,7%) (BRÄNSTRÖM, HATZENBUEHLER, PACHANKIS, 2016; ROOD et al., 2015; PARENTE et al., 2015). O processo de hormonização também alerta para diversos fatores envolvendo a saúde das pessoas trans, como por exemplo a prevenção e monitoramento de doenças infecciosas, incluíndo as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) a utilização de silicones industriais e suas complicações (UNAIDS 2021; WPATH 2012). Todas essas vertentes requerem o monitoramento de saúde da população trans por meio do Sistema de Saúde, de maneira multidisciplinar, incluíndo o monitoramento dos marcadores bioquímicos, hematológicos e microbiológicos, que devem ser medidos por análises laboratoriais (UNAIDS 2021; WPATH 2012; CAUX 2018; MELLO DF et .,2013). Além disso, condições econômicas e sociais desfavoráveis os torna mais propensos à insegurança alimentar e nutricional, novamente quando comparados às pessoas cisgêneras, situação ainda mais agravada pelo prolongamento da pandemia por covid-19 no Brasil, que identificou prevalências de insegurança alimentar de 56,8% para a população trans (MATTA et al., 2021). Dessa forma, apresentado o contexto social que podem viver as pessoas do universo trans, os efeitos do marcador gênero em seus corpos e alguns aspectos que podem atravessar seus diferentes estados de saúde, a presente proposta de pesquisa e extensão torna-se de suma importância para que a integralidade do cuidado seja de fato direcionada a essas pessoas e para que a ciência produza estudos de forma a melhor compreender suas demandas e necessidades em saúde. Ademais, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSILGBT) enfatiza em um de seus objetivos que é necessário promover a saúde integral da população trans, eliminando a discriminação e o preconceito institucional, bem como contribuir para a redução das desigualdades e a consolidação do SUS como sistema universal, integral e equitativo (BRASIL, 2012).

Coordenador Docente: ANELISE ANDRADE DE SOUZA

E-mail: anelise.souza@ufop.edu.br

Setor: DEPARTAMENTO DE NUTRICAO CLINICA E SOCIAL (DENCS)

Endereço: Campus UFOP – Morro do cruzeiro. Bauxita, Ouro Preto – MG

Local: Unidade Básica de Saúde Bauxita; Campus UFOP